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Existiu mesmo um bebê-diabo em São Bernardo do Campo (SP)?

A notícia do nascimento do anticristo fez a circulação diária do jornal Notícias Populares saltar de 70 mil para 150 mil. Mas... era verdade?

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 30 mar 2023, 15h49 - Publicado em 1 fev 2017, 15h50

1) Em 11 de maio de 1975, o jornal Notícias Populares anunciava na capa, em letras garrafais: “Nasceu o diabo em São Paulo”. A notícia dizia que, em um hospital de São Bernardo do Campo, cidade do ABC Paulista, ocorrera um “parto incrivelmente fantástico e cheio de mistérios”, marcado por “correria e pânico por parte de enfermeiras e médicos”.

2) Segundo a publicação, o bebê tinha “aparência sobrenatural, com todas as características do diabo, em carne e osso”, e já nasceu falando, ameaçando a própria mãe de morte. A criança possuía o corpo cheio de pêlos, dois chifres pontiagudos, um rabo de aproximadamente 5 cm e o olhar feroz, “que causa medo e arrepios”.

3) Nenhuma outra publicação noticiou a história. Melhor para o NP, que viu a edição se esgotar rapidamente. Nas 2 mil bancas que vendiam o jornal em São Paulo, sobraram só oito exemplares. Apesar do sucesso, o editor-chefe, Ebrahim Ramadan, relutou em seguir com o caso, mas a direção mandou a redação continuar. Até 8 de junho, foram feitas 27 reportagens.

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4) Por que o bebê nasceu assim? O NP deu duas explicações. Primeiro, porque, convidada para uma procissão na Semana Santa, a mãe teria batido na barriga e afirmado: “Não vou enquanto esse diabo não nascer”. Segundo porque, de acordo com um suposto médico, ela teria criado “descargas magnéticas negativas” ao desabafar: “Por causa desse diabinho, não posso ir dançar”. Já o pai da criança seria um discreto fazendeiro de Marília (SP) que, segundo vizinhos, “não tirava o chapéu por nada nesse mundo”…

5) O público ficou histérico – e acabava virando notícia também. A operária Maria Aparecida, por exemplo, foi para a maternidade, exigindo: “Que isso aconteceu, aconteceu. Então, por que não o mostram?” A doméstica Prudência Antônia Pereira garantiu ter visto a criança: “Quando não entendiam seus desejos, ele rosnava como cachorro. Depois, limpava as unhas com o próprio rabo”.

6) A edição de 12 de maio contou que o bebê-diabo ameaçou funcionárias de morte, rasgou travesseiros com os chifres e fugiu do hospital, saltando de uma janela no 3º andar. Nos dias seguintes, várias maldades do capetinha foram relatadas: ele andou por telhados, enlouqueceu uma mulher, acabou com um ritual umbandista e assustou um taxista, pedindo que o levasse “para o inferno”.

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7) Apesar disso, o recém-nascido não teve vida fácil. Feiticeiros, fanáticos religiosos e até o Zé do Caixão se dispuseram a acabar com ele. Uma clínica particular se ofereceu para exibi-lo ao público curioso – desde que o visitante fosse maior de 18 anos, usasse um crucifixo, não tivesse problemas cardíacos e se reponsabilizasse por possíveis “possessões demoníacas”.

8) Com o decorrer dos dias, a história foi esfriando e ganhando cada vez menos destaque no jornal. No começo de junho, foi noticiado que o bebê-diabo havia fugido para o Nordeste, após ter sido sequestrado por pessoas dispostas a queimá-lo vivo. O NP ainda tentou emplacar mais dois diabinhos, de outras cidades, um “bebê-peixe” e um “bebê atômico”, mas sem sucesso.

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Por outro lado…

Jornal era famoso por bolar notícias sensacionalistas

– Em maio de 1975, o repórter Marco Antônio Montadon, da Folha de S.Paulo, foi ao ABC confirmar o relato de que havia nascido uma criança com “duas saliências na testa” (chifres) e “prolongamento no cóccix” (rabo). Mas eram apenas más formações, que foram corrigidas com uma breve cirurgia.

– Montadon transformou a história numa crônica (fictícia) de terror, na Folha. O secretário de redação do NP, José Luiz Proença, e o editor de polícia, Lázaro Campos Borges, convocaram um repórter para “repaginar” esse texto e transformá-lo na notícia do nascimento do bebê-diabo.

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– Consultado pela ME, o ortopedista Gustavo Borgo, do Hospital Israelita Albert Einstein, disse jamais ter visto relatos médicos de cauda em crianças. Segundo ele, possivelmente o “bebê-diabo” tinha um defeito congênito comum, chamado mielomeningocele, que prejudica o fechamento da coluna do recém-nascido. É resolvido com uma cirurgia logo após o parto.

– O NP foi hábil em procurar fontes oficiais (como médicos e diretores do hospital), mas usar a negativa deles de modo que gerasse ainda mais suspeita no público.

– A história também não é original. Poucos anos antes, O Bebê de Rosemary (1969) causou pânico parecido no Brasil e no resto do mundo. Outro filme recente na época que também causou polêmica foi O Exorcista (1974).

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– O público do NP era composto de pessoas mais simples, com maior tendência a se apegar a crendices sobrenaturais. Meses antes, o próprio jornal já havia soltado matérias sobre a “loira fantasma” e o “vampiro de Osasco”, por exemplo.

FONTES Livro Espreme Que Sai Sangue: Um Estudo do Sensacionalismo na Imprensa, de Danilo Angrimani, e Nada Mais Que a Verdade: A Extraordinária História do Jornal Notícias Populares, de Celso de Campos Jr., Denis Moreira, Giancarlo Lepiani e Maik Rene Lima; documentário Nasceu o Bebê-Diabo em São Paulo, de Renata Druck; e site Folha de S.Paulo

CONSULTORIA Gustavo Borgo, ortopedista do Hospital Israelita Albert Einstein e do Hospital Samaritano

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